Não é raro depararmos, hoje em dia, com “obras de
arte” que obtêm grande repercussão ou sucesso não por causa de qualquer
qualidade artística que ostentem, mas em razão de agredirem símbolos
religiosos. E como a única das grandes religiões ocidentais que tem símbolos
religiosos materiais é a Igreja Católica, é dos símbolos católicos que sai a
inspiração para a maioria desses “trabalhos”.
Há, é claro, também
um lastro de ódio antirreligioso em geral, que acaba respingando nos símbolos
cristãos. Recentemente, ao completar um ano do massacre do jornal francês
“Charlie Hebdo”, feito por muçulmanos em razão da publicação de uma charge que
retratava Maomé, o referido jornal francês publicou uma das suas capas
chamativas, cuja manchete dizia: “L’Assassin Court Toujours” (o assassino ainda
está solto), e um desenho de um velho barbudo numa túnica branca ensanguentada,
com um fuzil às costas. O detalhe é que o velho ostentava, na cabeça, não o
turbante muçulmano, mas um triângulo com um olho no centro, velho símbolo da
Santíssima Trindade. Sabe-se que os muçulmanos repelem a crença na Trindade
como blasfema e desrespeitosa a Deus. É difícil não se espantar com a
inconveniência: os muçulmanos radicais certamente já martirizaram mais
cristãos, pela crença na Trindade que eles consideram blasfema, do que
cartunistas e jornalistas ateus. Isto é engraçado? A graça me escapa. É o Deus
cristão que é retratado como assassino na capa do “Charlie Hebdo”. Difícil
imputar à ignorância. Qual será a motivação por trás de uma agressão tão
gratuita por parte de quem derramou o mesmo sangue?
Este mesmo
desconforto indiscriminado contra a religião, motivado talvez por revoltas em
razão de posturas fundamentalistas de membros de outras religiões, não raro dá
origem a outras manifestações similares. Há um grupo feminista, originário da
Ucrânia, que se caracteriza por enviar belas moças para invadir templos
católicos e retirar a blusa na frente de velhos sacerdotes celibatários e
velhinhas beatas e exibir os seios com palavras de ordem contra a fé cristã, ou
contra o magistério moral da Igreja. É como se os cristãos as ofendessem pelo
simples fato de participar dos debates públicos mantendo suas próprias
convicções morais e religiosas. E elas ganham manchetes e notícias. Risco zero.
Há outros casos. Os
jornais da Espanha noticiaram o caso de um artista plástico que subtraiu, por
meses a fio, hóstias consagradas nas paróquias espanholas para com elas montar
a palavra “pederastia” num painel, numa exposição de “artes plásticas”. Diante
do protesto formal da Igreja, a peça foi retirada. Valor artístico? Nenhum. A
“obra” não envolveu nenhuma técnica especial, nenhuma qualidade estética,
nenhuma mensagem senão a de que nada é sagrado para o “show business”. Na
Itália, os católicos pediram gentilmente que não se exibisse, numa exposição,
uma “obra de arte” que consistia simplesmente numa grande foto de um crucifixo
mergulhado na urina do autor. Importância artística da obra? Nenhuma. Razão de
ter ocupado toda a mídia por dias? Apenas aquilo que foi visto como “ousadia”
do “artista”, mas que na verdade não passa de falta de educação, mesmo.
Recentemente, aqui
em Brasília, um produtor de teatro tentou montar uma peça na qual um dos
atores, paramentado como sacerdote católico, usava de uma âmbula para
distribuir camisinhas à plateia como se fossem hóstias, numa paródia da missa.
Por conselho de um velho e sábio advogado, não houve alarde por parte dos
fiéis. Simplesmente identificaram-se as empresas que estavam patrocinando o
espetáculo e aqueles fiéis que eram fregueses destas empresas alertaram os
respectivos donos de que estavam sentindo-se incomodados com o fato de que
parte do dinheiro que eles gastavam nessas empresas fosse utilizado para
patrocinar um espetáculo assim. E muita oração pelos envolvidos. Os empresários
compreenderam o sentimento dos seus clientes, o patrocínio foi suspenso e a
peça saiu de cartaz, porque era, sob todos os outros aspectos, tão ruim que não
seria capaz de sobreviver sem a polêmica religiosa que buscava gerar.
E como se não
bastasse, na última segunda feira uma repórter de um grande jornal brasiliense
me ligou, querendo a minha opinião sobre uma polêmica que o jornal está
tentando criar aqui na cidade: uma artista local está vendendo imagens de
santos católicos pintados como se fossem personagens televisivos. Há de tudo:
Nossa Senhora vestida de Chapolim Colorado, Santo Antônio vestido de Batman,
com Jesus menino fantasiado de Robin em seu colo. Eu lhe disse que não tinha
declarações a dar sobre o assunto: não havia merecimento. O fato em si visava
apenas e simplesmente causar o escândalo, para obter repercussão e quem sabe
vender umas peças a alguns fervorosos militantes anticristãos com dinheiro
vadio. Mas sejamos francos, não há muita gente com dinheiro disponível para
pagar mais de duzentos reais por uma imagem de Nossa Senhora das Graças vestida
de Mulher Maravilha. Somente uma combinação de dinheiro fácil, falta de
maturidade espiritual e raiva desinformada da religião levaria esta atividade,
de estragar estatuetas de Nossa Senhora, a ser rentável e sustentável. Mas não
há muitas pessoas com este perfil por aí – e seja Deus louvado por isto – de
modo que um artigo de jornal sobre o fato mais serviria de propaganda do que de
desestímulo.
Eu apenas comentei
com o jornalista, sem autorizar-lhe a publicar qualquer palavra minha, que eu
esperava dele a compaixão com tantos doentes, idosos e desesperados que veneram
tais santos em suas imagens. E lembrei a ele que nem todos os que as veneram
são católicos, já que muitos santos também são objeto de veneração em religiões
afrobrasileiras e espiritistas. Não consigo entender, eu lhe disse, que tipo de
relevância há em “expor ao ridículo” aquilo que pode ser a última fonte de
consolo de um pobre desesperado. Que tipo de valor artístico pode haver aí? E
concluí dizendo a ele qual deveria ser a atitude de um bom cidadão (mesmo
daquele que, não tendo religião, entende o valor do respeito ao outro) frente a
uma situação assim: afastar seu dinheiro de qualquer estabelecimento que venha
a revender tais peças. Se ele for católico, pode caridosamente manifestar seu
desconforto ao expositor, já que orientar quem erra é uma obra de misericórdia,
e deve em seguida fazer algum ato concreto de oração e ascese, como uma pequena
oração ou um dia de jejum, pela conversão dessas pessoas e salvação de suas
almas.
O artigo saiu no
jornal. mas sem meu nome. O repórter respeitou meu pedido de não ser citado,
mas o texto é bastante, digamos, revelador. Embora a exposição fosse anunciada
com um título como “santa heresia” ou “santa blasfêmia”, a demonstrar que eles
sabiam exatamente com o que estavam se envolvendo, a reportagem expõe
fotografias das imagens e registra cândidas declarações do artista e do dono da
galeria de que nunca quiseram ofender ninguém. Mas para reforçar a concretude
do “medo” que o artista e os expositores demonstram, o repórter informa que
vários fiéis católicos apareceram, ligaram e enviaram e-mails para a loja “com
ameaças” e as peças foram retiradas das vitrines. O proprietário chega a dizer
que “teve medo de ser apedrejado”, porque há fiéis que passam ali “gritando,
brigando, dizendo que vão processar a gente”. Declarou ainda que é “imparcial e
que vende até terços, além dessas imagens”.
O artigo coleciona
algumas manifestações de fiéis católicos, apresentadas com a frase “mas as
explicações não adiantaram”. Declarando que se sentiram ofendidos com as
imagens e que procurariam a Justiça para conseguir a interrupção da ofensa a
seus sentimentos religiosos e objetos de culto. Os entrevistados são uma
senhora religiosa de 54 anos e uma outra de 50. Elas ponderam que estas imagens
representam originalmente “pessoas que viveram e que são muito importantes para
nós”, e que suas vidas e suas memórias são verdadeiras “inspirações divinas
para os fiéis”. Pessoalmente, acho que estas ponderações estão muito longe da
“ameaça de apedrejamento” que o proprietário da loja disse temer. Mas a
matéria, seja por ser mal construída, seja por ser bem construída demais,
conseguiu me deixar com a impressão contrária: os fanáticos religiosos
conseguiram a interrupção de uma inocente exposição artística mediante ameaças
sérias. E as pequenas estátuas ganharam o status de expressão de vanguarda
libertária e as duas tiazinhas beatas quase alcançaram o posto de
fundamentalistas de plantão. Convenhamos, propor levar um desacordo à Justiça
não é exatamente uma ameaça de apedrejamento. Aliás, não há nenhuma linha no
artigo que revele qualquer atitude, por parte de qualquer fiel, minimamente
proporcional aos temores dos expositores.
E ficamos assim. Se
eu pudesse dar um conselho aos católicos, este conselho seria: não vamos
compartilhar imagens deste tipo em redes sociais, nem dar declarações públicas
sobre tais fatos, para não gerar exatamente a propaganda que eles esperam. Eles
não são importantes, a sua “arte” é simplesmente ruim. Rezemos um terço pela
salvação das almas e um dia de jejum pela conversão dos pecadores. E eles
ficarão reduzidos à importância que não têm.
Por Paulo Vasconcelos Jacobina via Zenit