O que era quase uma lenda
para os moradores de Poxoréu, a 259 km de Cuiabá, se confirmou durante a
reforma da Igreja Matriz São João Batista. O coração do missionário italiano
Attilio Giordani, que morreu em 1972, foi encontrado enterrado sob o altar da igreja
durante uma reforma, no dia 26 de outubro. O órgão está guardado dentro de um
pote de vidro com um líquido, que, segundo o pároco da comunidade, padre
Alexandre Umbelino Pereira, seria formol.
O missionário, que atuou na
região como colaborador da missão salesiana no estado no início da década de
70, pode virar santo. Em processo de canonização desde 1973, ele é considerado
venerável, primeira etapa para se tornar santo da Igreja Católica. A segunda
fase é a beatificação e, por último, são analisados os depoimentos de
testemunhas e eventuais milagres por intercessão dessa pessoa.
Conforme o pároco, essa é a
primeira grande reforma estrutural pela qual passa a igreja após o coração ter
sido colocado no altar, em 1973, um ano após a morte do missionário italiano.
"Os moradores mais antigos comentavam que o coração dele estava enterrado
na igreja, mas não sabíamos exatamente onde e se, de fato, era verdade. Mas,
quando estavam cavando o altar para a reforma, foi encontrado o vidro com o
coração", contou.
O então pároco da igreja, que
acompanhava a 'Operação Salesiana', da qual o missionário italiano e seus
filhos faziam parte, quis manter parte do amigo na região, de acordo com o
padre.
"O missionário gostava
muito dessa região de Poxoréu e quando ele morreu de infarto durante uma
reunião na sede dos salesianos, em Campo Grande, a família pediu que o corpo
fosse encaminhado para a Itália, mas o coração ficou em Poxoréu", relatou
o padre Alexandre, que solicitou dos salesianos uma definição sobre o caso.
Adiantou, contudo, que o melhor seria se o coração fosse enterrado novamente no
altar da matriz da cidade.
Attilio tinha mulher e três
filhos. Nasceu em 1913 e morreu aos 59 anos. Em Poxoréu, porém, não há
familiares dele. Segundo o pároco da comunidade, ele deixou muitos amigos, mas,
com o passar dos tempos, a história do missionário que pode virar santo foi se
perdendo. "Essa história tinha caído no esquecimento, mas agora vamos
desenterrá-la". Para ele, essa será a oportunidade de divulgar para os
jovens a missão da qual Giordani participou.
"Essa operação foi muito
importante para o desenvolvimento do estado. Nessa época, muitos religiosos de
fora vieram para o Brasil para construir igrejas, hospitais", afirmou. Em
Poxoréu, por exemplo, foram construídos a paróquia e o Centro Juvenil São João
Batista.
Na página oficial dos
Salesianos de Dom Bosco consta que o corpo de Attilio foi levado para a Itália
e encontra-se na Igreja de Santo Ambrogio, em Milão, onde ele nasceu.
Amigo de Attilio Giordani, o irmão Armando Catrana, religioso também italiano
que se dedica à missão salesiana na região Centro-Oeste há mais de 50 anos e
conviveu com o missionário em Poxoréu, confirmou a informação do local em que o
coração de Giordani foi enterrado. Inclusive, o interesse do missionário em desenvolver
trabalho voluntário na região surgiu após uma conversa com Armando Catrana, que
hoje fica na sede da Missão Salesiana de Mato Grosso, em Campo Grande.
Em 1971, o irmão foi até a
Itália em razão da morte da mãe dele e lá ficou na casa de Attilio, em Milão,
próximo ao Oratório dos Salesianos de Santo Agostinho. "Contei a ele sobre
os trabalhos que vinha desempenhando com os jovens em Poxoréu e ele ficou muito
interessado, pedindo que lhe contasse mais", lembrou.
No ano seguinte, o
missionário e a família dele desembarcaram no Brasil para ajudar Armando
Catrana no projeto com os adolescentes, que consistia no desenvolvimento de
tarefas educativas e esportivas no Centro Juvenil São João Batista, fundado por
Armando Catrana em parceria com outros integrantes da 'Operação Mato Grosso',
como era chamada a missão dos salesianos naquela época.
O carinho e atenção
dispensada aos jovens transformou a cidade em poucos meses, contou o religioso.
"Revolucionou em pouco tempo a cidade inteira e mudou a vida dos meninos
de Poxoréu. Todos os adolescentes e jovens frequentavam o Centro Juvenil. Organizava
jogos, brincadeiras. Nunca vi um salesiano mais salesiano que o Attilio
Giordani", declarou.
Os membros da operação foram
convidados para participar de uma reunião na sede da Missão Salesiana, no final
de 1972, quando Giordani faleceu. Com a história ainda fresca na memória, o
irmão relatou que um dia antes o amigo não quis se manifestar no encontro, mas
naquele dia foi a primeiro a falar sobre os projetos.
"Ele falou bastante e de
repente fez com um gesto como se quisesse se apoiar no encosto da cadeira. Ele encostou e socorri junto com os outros que estavam lá, o colocamos em cima de
uma mesa e chamamos um médico, que ao chegar constatou que ele já havia
falecido. Foi um momento de profunda tristeza. Levamos o corpo para a capela e
celebramos uma missa", relatou.
Quem pediu que o médico retirasse
e guardasse o coração do missionário em formol foi um padre que à época era
pároco da Igreja Matriz de Poxoréu.
Durante o preparo do corpo
para ser encaminhado à Itália, o padre pediu e o médico autorizou a doação do
coração dele. O padre o colocou em um vaso de vidro com formalina e o guardou
em seu quarto até 1973, quando a reforma foi concluída. O coração foi colocado
exatamente no meio da coluna do altar, informou Armando Catrana. Para ele, foi
desnecessária a retirada do vidro daquele local.
Armando Catrana atuou em
Poxoréu entre os anos de 68 e 76, quando fundou o Centro Juvenil. Foi
transferido e, depois de nove anos, retornou para a cidade mato-grossense de
17.599 mil habitantes, na região Sudeste do estado. Nesse segundo período,
ficou 17 anos lá.
Para ele, Attilio foi um
exemplo formidável de educador cristão. "Sem dúvida, seja qual for a
decisão da igreja [sobre a canonização], se será imediatamente ou não sei daqui
a quantos anos, ele teve uma vida a ser imitada", pontuou.
Um neto do missionário com
outra colaboradora da missão, da Itália, nasceu em Poxoréu. Mas, depois, os
familiares voltaram para a Itália.
Fonte: g1.globo.com